Foi o churrasquinho das cavernas que nos fez humanos.

Eu tinha um texto quase pronto na minha cabeça dando continuidade ao assunto azeites-óleos-e-gorduras mas não consigo resistir ao assunto “cérebro”, o que me fez escrever esse texto de hoje. Não que uma coisa não esteja ligada à outra, afinal, cerca de 30% dos 1.4 kg que compõem nosso cérebro é feito de gordura e é a quantidade ideal para ele funcionar direitinho. Quando estamos diante de um prato saboroso, o que nos permite decidir entre parar ou comer sem parar é o cérebro. Da mesma forma, obviamente, é ele quem nos guia em todas as outras decisões. Mas o que é que nos torna aptos a isso? Que nos faz “melhores” do que outros animais? Uma resposta é: um número maior de neurônios. Nesses 1.4 quilos, encontramos cerca de 86 bilhões de neurônios (e quem comprovou isso pela primeira vez foi a Suzana Herculano-Houzel, uma pesquisadora brasileira…).

Um fato extraordinário do cérebro é que ele consome, aproximadamente, 16 vezes mais energia que um tecido muscular, ou seja, uma grande parte da nossa cota diária de energia é gasta para alimentar nosso cérebro faminto. Porém, embora os humanos apresentem um cérebro maior em relação ao peso corporal do que os dos outros primatas, as necessidades totais de energia em repouso do corpo humano não são maiores que a de outros mamíferos. Assim, um Homo erectus pesando cerca de 60 kg, com um cérebro de 850 cm³, gasta cerca de 250 das 1.500 kcal diárias para manter o cérebro – algo como 2 barrinhas pequenas de chocolate. Vários fatores, entre eles a capacidade de se deslocar sobre dois pés, contribuíram para o desenvolvimento desse órgão tão caloricamente dispendioso. Certamente essa expansão não teria ocorrido se os hominídeos não tivessem adotado uma alimentação rica em calorias e nutrientes. Para o antigo Homo, expandir a substância cinzenta significou buscar alimentos energicamente mais densos, como os de origem animal, que fornecem mais calorias e nutrientes que os vegetais.

O antropólogo britânico Richard Wrangham observou que a duplicação rápida do tamanho do cérebro na evolução humana coincidiu com uma redução no tamanho dos dentes e dos ossos que sustentam os músculos da mastigação, como se de repente nossos ancestrais não precisassem mais fazer tanta força para comer.

cranial evolution

Ora, mas se eles comiam carne, que exige maior mastigação, e houve redução no tamanho dos dentes, o que foi que aconteceu aí? Simples, a alimentação passou a ser cozida! É muito mais fácil e macio comer algo cozido do que folhas, raízes e carnes cruas. Ninguém sabe exatamente como e quando o fogo foi descoberto, mas o que importa é que o ato de cozinhar permitiu extrair uma quantidade muito maior de energia dos alimentos. Cerca de 95% do amido presente nas batatas, por exemplo, é digerido pelo corpo humano quando elas são cozidas, mas esse valor cai quase pela metade se elas são ingeridas cruas. O calor é capaz de quebrar as moléculas do amido, fazendo com que as enzimas digestivas funcionem melhor, gerando mais calorias ao corpo. Se não fosse pelo ato de cozinhar, os humanos precisariam passar cerca de 9 horas e meia comendo alimentos crus, como fazem os grandes primatas, para obter o total de calorias necessárias para sustentar corpo e cérebro. Um tanto inviável, não? Além disso, como a digestão foi facilitada, não havia mais necessidade para bocas, maxilares, estômagos e intestinos muito grandes, e esses órgãos acabaram diminuindo. De maneira geral, o volume total do nosso tubo digestivo é 60% do esperado para um primata do nosso tamanho. Toda a energia que até então era gasta para a digestão passou a ser usada para o desenvolvimento do cérebro.

Cozinhar, então, nos deu a carga nutricional que precisávamos para desenvolver um cérebro maior e o tempo para utilizá-lo para atividades mais interessantes que mastigar. Assim, ter um cérebro grande deixou de ser um mero aspecto que exigia muito esforço para obter nutrientes e passou a ser um trunfo, algo que nos permitiu adquirir os mesmos nutrientes de maneira mais fácil. Passamos então a utilizar nosso tempo pensando em melhores maneiras para caçar, viver, desenvolver a cultura, arte e os princípios de tecnologia, tudo que nos tornou quem nós somos. Inclusive gente que por conta dos excessos da alimentação moderna, decidiu voltar a se alimentar como os homens das cavernas em busca de um corpo perfeito…

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4 thoughts on “Foi o churrasquinho das cavernas que nos fez humanos.

  1. Sobre o cérebro, acredito que o tamanho não influencia muito o poder de raciocínio. Sou americano e moro no Brasil. Tenho uma cabeça (e cérebro) grande, mas conheço pessoas com cabeças muito pequenas (cérebros pequenos) e considero estas pessoas mais espertas e rápidas que eu. Concordo plenamente que a alimentação é importante para o desenvolvimento do cérebro, corpo etc… MAS acredito que por existirem vários tamanhos de crânios e até formatos bem diferentes que podemos observar em humanos modernos (da mesma especie), etnia e até mesmo dentro de uma única família, podemos dizer que esta busca pelo homem das cavernas que teria vindo dos macacos realmente não pode ser comprovado … Podemos ver que a figura mostra pedaços de crânios e dentes. Algumas áreas representados em cinza são partes que os cientistas criaram pois não encontraram estas partes.

    Alessandra, gostei da matéria, mas segue uma ideia para um post que acho que poderá mexer com nossos cérebros… grandes ou pequenos… rs

    Tema: Muitos evolucionistas dizem que viemos dos macacos. Se hoje podemos observar varias aparências deferentes de humanos que são compatíveis para reprodução, porque nao encontramos na natureza por exemplo macacos ou outros animais com etnias distintas e cores variadas? A pergunta que eu faço é: Porque não encontramos gorilas loiros, negros, asiáticos e etc. Sabemos que macacos diferentes não são compatíveis geneticamente….
    Acho interessante que os cachorros (vindos de lobos) e outros animais, hoje apresentam várias aparências diferentes que foram controladas pelos homens com processos seletivos e alterações genéticas, mas continuam sendo geneticamente compatíveis.

    Agora ouço cientistas dizendo que viemos de macacos e que isso aconteceu lentamente ao longo de milhões de anos….

    Como podemos explicar que os humanos modernos são tão diferentes quando comparamos as etnias? Será que alguém controlou isso? Nós controlamos isso em animais, mas podemos dizer que estas mudanças jamais teriam surgido nos cachorros sem a nossa intervenção – nem em milhões de anos….

    É algo para se refletir…

  2. Oi Andrew, obrigada pelo seu super comentário. Bem, de fato não é o tamanho do cérebro que influencia a capacidade de raciocínio – se assim fosse, a frenologia ainda seria uma ciência levada muito a sério e eu seria considerada um gênio, uma vez que sou “cabeçuda”. 🙂
    A questão a qual me refiro no texto não é o fato de termos um cérebro maior (até porque existem outros animais com cérebro muitas vezes maiores do que o nosso), mas sim de possuirmos um cérebro com maior quantidade de neurônios no córtex, o que só possível a partir do momento em que passamos a cozinhar nossos alimentos. E isso porque os neurônios consomem energia. Por exemplo, um primata comendo 8 horas por dia conseguiria manter cerca de 53 bilhões de neurônios, mas não pesaria mais do que 25 kg. Para ficar mais forte do que isso, teria que abrir mão dos neurônios… Se você quiser ir mais a fundo nesse assunto, recomendo ler os textos do Richard Wrangham e também da Suzana Herculano-Houzel.

    E sobre a sua sugestão de tema, realmente é muito interessante, mas por aqui o meu objetivo é falar de ciência e comida… 😉
    Eu acredito na evolução das espécies. Você não acredita que viemos dos macacos, mas qual seria a sua teoria?
    Esse é um assunto que vai muito longe… 🙂

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