Porque você come o que você come

Por ser uma doutoranda, estou cercada por gente apaixonada por “ciência”. Outra boa parte das pessoas do meu convívio acredita que “ciência” seja uma chatice. O ponto em comum entre esses dois grupos é que ambos gostam de comer e alguns até de cozinhar.  Qual a relação entre isso tudo? Uma resposta clichê seria dizer que cientistas, ao realizarem seus ensaios, estão seguindo receitas. Outra é que cozinhar é uma reação química. Clichê, mas não menos verdadeiro por isso. Fato é que se utilizar da ciência para compreender e aperfeiçoar o que nos alimenta e dá prazer pode contribuir bastante para a nossa satisfação e desenvolvimento. Um exemplo disso vem de Denis Papin, que no século 17 usou seu conhecimento sobre as relações entre pressão, volume e temperatura para criar uma maneira mais eficiente de cozinhar, criando assim a panela de pressão. Muitos podem ter medo e até preconceito em usá-la (eu), mas é inegável a sua contribuição para a culinária.

papin

Bem, mas afinal, por que comemos? São duas razões principais: fornecer nutrientes ao corpo e ter energia para crescer e se desenvolver. Não, ninguém calcula exatamente isso antes de comer. O que geralmente pensamos é “tenho fome” ou “gosto de comer isso e quero agora”. Então chegamos a um ponto interessante: a fome e o comportamento de comer são determinados por fatores biológicos/fisiológicos e psicológicos/sociais. Quando ingerimos alguma coisa, estamos recebendo além dos nutrientes, moléculas que liberam energia. Entre as principais estão os carboidratos, que serão transformados em glicose – aquilo que usualmente é chamado de “açúcar do sangue”. Depois de comer um prato de macarrão, estamos com um nível alto de glicose no sangue. Com o passar das horas, esse nível vai caindo e passamos a sentir fome. Obviamente, nada é tão simples e contamos com muito mais jogadores nesse campo: hormônios como a leptina (que leva a uma menor ingestão de alimentos) e a grelina (o “hormônio da fome”, que faz o corpo perceber que precisa de energia) auxiliam no controle endócrino da fome. Ainda temos um controle neural, mas não vou entrar nesse campo…

Eu terminaria por aqui se ainda vivêssemos guiados apenas pela fome e busca pela sobrevivência, mas a verdade é que nós estamos sempre em busca dos alimentos mais gostosos, que enchem nossos olhos e boca. Da mesma forma que outros animais, somos atraídos pelo cheiro da comida e então o paladar nos ajuda a definir quais são os mais apetitosos. Dos nossos cinco sentidos, apenas o olfato e o paladar são capazes de detectar moléculas químicas. Se o olfato só é capaz de perceber moléculas gasosas que estejam no ar, o paladar só detecta moléculas que estejam em água, seja ela do alimento ou da saliva. Então, aquilo que chamamos comumente de sabor é, na verdade, uma associação entre cheiro e gosto. No nosso nariz encontramos receptores olfativos que respondem por 80% do sabor – lembre-se que a boca e o nariz estão interligados.  É muita coisa pra achar que só a boca é responsável por você adorar aquele bolo de chocolate!

Até algum tempo, acreditávamos que só havia quatro gostos primários: doce, ácido, salgado e amargo, sendo que papilas gustativas específicas reconheceriam cada um. Hoje já é consenso a existência de mais um gosto primário, o umami, que está associado a alimentos bem proteicos como carnes e queijos.  Então aquele mapinha da língua, que muitos conhecem, é uma representação simplista de regiões da língua mais sensíveis a determinados gostos primários. O que sentimos de verdade ao comer é o resultado dos estímulos de todos esses receptores de gosto, da interação entre olfato, paladar e textura.

Fomos programados pela natureza para preferir a sensação de doce e prova disso são as frutas maduras, adocicadas, que representam bons alimentos, enquanto que comidas venenosas possuem gosto amargo (os alcalóides, as substâncias responsáveis por isso, estão presentes na estricnina, por exemplo). O que faz com que alguns gostem mais de cocada e outros de polenta depende de diferenças fisiológicas individuais, experiências anteriores (como o pão que só a sua vó sabe fazer) e hábitos culturais (como o café da manhã apimentado dos indianos).

Então, quem disse que ciência e gastronomia não se encontrariam?!

11 thoughts on “Porque você come o que você come

  1. Bendito seja aquele atraso no aeroporto do Rio de Janeiro, quando vieste falar comigo e propor a publicação deste material. Se um dia estiver de cruzada por aquele aeroporto me lembrarei deste dia e jogarei uma cachaça pra qualquer que seja o santo que abençoe aquela sala de espera.

    Seja bem vinda ao Comideria, a casa é de pobre mas muito limpinha. E está muito feliz de receber você!

    1. Muito obrigada pela acolhida!

      Mas guarde a cachaça pra jogar em outro canto, tava muito esfumaçado lá de onde te escrevi! haha

      Já disse e repito: muito feliz de estar na casa! 🙂

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