Taxa de desperdício: sobre legalidade e ética no consumo de comida

Uma rápida pesquisa no Google e descobrimos que 1/3 de toda a comida produzida no planeta vai pro lixo. Isso mesmo, 33% de uma dízima periódica de qualquer alimento que sai da terra ou das máquinas de uma fábrica é jogado para que a natureza faça a sua digestão nutrindo única e exclusivamente essa estatística medonha.

Confesso que tenho consciência disso há pouco tempo. Ter consciência, em tempo, é diferente de ter a informação que, se não chocar ou for assimilada da maneira correta, vira texto vazio que entra por um ouvido e sai pelo outro.

Recentemente também assisti Josette Sheeran, diretora do Programa Mundial de Alimentos da ONU falando sobre como acabar com a fome no mundo. Num discurso um tanto quanto perseverante, Josette é uma das cegas que regam flores num mundo cada vez mais global e menos humanizado. Sabemos, portanto, que na rua de trás tem alguém passando fome, e descobrimos isso vendo uma palestra do Netflix durante o piscar de olhos em que pedimos uma pizza gigante pelo telefone que quase metade virará lixo só porque estava na promoção e não compensava pedir menor. Assistam a palestra da moça, vale a pena.

Baseado nisso, o programa Satisfeito busca informar e ao mesmo tempo ajudar quem tem a fome rondando por perto. Os restaurantes participantes do projeto oferecem um prato e, ao ser comprado inteiro, é servido apenas 2/3 da quantidade enquanto o restante é revertido em dinheiro a ser destinado para o programa de combate à fome.

Já a EcoBenefícios, sabendo que o Brasil é o quarto maior produtor de alimentos do mundo e que 20% disso não é aproveitado de forma alguma na alimentação, e que este montante daria para alimentar cerca de 19 milhões de brasileiros por dia, lançou recentemente outra campanha que busca à luz do conhecimento esclarecer isso à população.

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Eles substituíram pratos comuns, por pratos com 20% a menos do tamanho normal em restaurantes e refeitórios. No prato, estava explicado que 20% do que comemos vai para o lixo. É divertido observar a reação das pessoas, que a princípio não entendem muito bem o que está acontecendo, mas que depois de lerem a mensagem, acabam com um sorriso no rosto. (frase retirada do post usado como fonte, no blog Hypeness)

Desperdício de comida deveria ser assunto prático obrigatório nas escolas, pois é de pequeno que aprendemos como iremos nos relacionar com os alimentos. Depois de anos comendo errado, consertar na quase-velhice é um trabalho hercúleo.

Mas existem também os restaurantes que andam na contramão desse problema. Enquanto uns alertam para que o desperdício seja amenizado, outros fazem o que ainda não é ilegal, mas duvidoso do ponto de visto ético acerca dessa questão.

É coisa de ocidental o tal do rodízio, ou o que os americanos chamam de All you can eat (tudo o que você pode comer). Espeto corrido, festival, sequência etc. são também sinônimos para este sistema de servir comida sem limites teóricos por um preço fixo e, geralmente, muito barato. Animalesco, até certo ponto.

O mais engraçado é que alguns destes têm o que se chama de Taxa de Desperdício. E é aí que a porca torce o rabo. Essa taxa de desperdício é praticamente um tapa na cara da semântica, um chute na pleura da coerência. Enquanto você dispõe em buffet ou rodízio por um preço baixo toda a comida da cozinha à disposição do cliente que já nem está mais com fome mas sim competindo com o amiguinho de 13 anos pra ver quem aguenta mais fatias de pizza, existe um valor a ser pago fixado pelo restaurante caso você deixe restos no prato.

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Passei por algo parecido dia destes, até fiz um review negativo sobre o restaurante aqui. O título era justamente sobre desperdício. Entrei no sistema de rodízio e fiz os pedidos que comeria e saberia que seriam bastantes para minha fome no momento. Entretanto apareceu o fator comida ruim e contra ele não há o que fazer. Desperdicei meu tempo, desperdicei minha paciência e desperdicei minha fome porque um cozinheiro resolveu que desperdiçaria matéria prima. E quem pagou a taxa de desperdício? Eu, claro.

Na oportunidade do post não levei isso em consideração, mas pesquisando depois descobri que é… Ilegal. Isso mesmo, cobrar taxa de desperdício além de ser contraditoriamente besta é ilegal. A conclusão dos juristas baseia-se no Artigo 39, inciso 5º do Código de Defesa do Consumidor, pois se caracteriza como “vantagem manifestamente excessiva” ao fornecedor de bens ou serviços. Servir comida ruim ainda não é ilegal, infelizmente, mas cobrar pelo excesso é. Você não pode pagar duas vezes pela mesma comida.

Que essa conclusão a que chegamos neste post não seja de “OK, vamos ao rodízio detonar”. Pelo contrário, eu convido-o a repensar sobre este sistema: quem ganha com isso?

Fica a reflexão. Seu estômago agradece.

 

One thought on “Taxa de desperdício: sobre legalidade e ética no consumo de comida

  1. – Querido garçom, quero 1/4 de porção.

    – Mas senhor, a diferença pra inteira é apenas 0,75% do preço. Não prefere levar?

    90% das pessoas já devem ter ouvido isso.
    Não adianta, as pessoas são condicionadas ao exagero e ao excesso.

    E se eu levar o “desperdício” pro cachorro? Preciso pagar?

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