Tainha: instituição mané. Está aberta a temporada!

Quem já esteve numa das praias de Florianópolis numa manhã ensolarada de inverno deve ter visto um velho, com a barba por fazer, chapéu tapeado na cabeça, um Hilton longo aceso na boca e o olhar fixo na arrebentação.  Onda após onda a esperança de ver uma mancha grande escura sob as espumas de sal do mar se aviva, principalmente se na noite anterior o vento Sul assobiou nas frinchas das janelas dos ranchos. Botes que carregam o nome de suas lembranças e homenagens parados sobre toras, e carregados com suas intermináveis redes, esperando a manta aproximar-se. Esperando, sobretudo, aquele mesmo velho, de barbas brancas, abrir o peito num grito de “CERCA!” É quando os pescadores entram no bote e se jogam na praia pra cercar o peixe. É mais um lanço que entra pra contabilidade deste abundante pescado que chega às toneladas abrindo oficialmente a temporada de inverno em Santa Catarina.

Barco Saragaço I aguardando a tainha chegar
Barco Saragaço I aguardando a tainha chegar

A Pesca da Tainha, assim mesmo com letras maiúsculas, é uma instituição mané. Não há no litoral catarinense quem não busque um quinhão destes cardumes, seja pra consumo próprio, seja pra venda local ou pra indústria. A tainha é um dos mais versáteis peixes, e embora seu nome venha do grego e signifique “Boa para frigir”, ela é servida de várias formas e adaptada em várias gastronomias, muito além do tradicional “tainha escalada com pirão d’água”.

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Apesar de ser um ícone catarinense, a Tainha nasce no Rio Grande do Sul, e durante sua primeira fase de vida sobe e desce a Lagoa dos Patos para se alimentar e desovar até que fique adulta. Quando esse tempo chega, e o frio castiga as águas do sul do mundo, as correntes atlânticas a puxam para cima em busca do conforto das águas mais quentes. Grande parte delas fica por aqui, a cada inverno toneladas delas são capturadas e vendidas para todo o país. As ovas, iguaria que hoje é muito valorizada, seja para o consumo direto ou para a fabricação da famosa bottarga di muggine, tem destaque na gastronomia e economia local.

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Há quem olhe, há quem pesque de tarrafa na praia e há quem sai para o mar em busca dos cardumes.

Há também os barcos que não se limitam à areia, atravessam a arrebentação e vão para mais perto das correntes aguardar o cardume e capturá-los antes da chegada na praia. O jornalista e escritor florianopolitano Amaro Seixas Netto disse em 1971: ” Mas as festas da pesca da tainha está por terminar. Os barcos de alto mar pescam as mantas antes que cheguem às redes dos tradicionais, valorosos e históricos pescadores ilhéus. É o progresso, sem dúvida, mas é pena.”* Não poderia estar mais errado, o nobre jornalista, que na década de setenta já tinha medo que este peixe sumisse do prato dos manezinhos. Felizmente, não poderia estar mais errado.

Mesmo os barcos que saem da praia e pescam num mar um pouco mais rebelde têm sua consciência social. O quinhão do santo, que antigamente era dado a São Pedro, padroeiro dos pescadores, para que ele os protegesse no mar, hoje é dado aos moradores e turistas que aguardam a chegada dos barcos nos portos.

Barco Pesca Brasil descarregando as tainhas na Barra da Lagoa
Barco Pesca Brasil descarregando as tainhas na Barra da Lagoa

No último sábado, 31 de maio, 16 dias apenas após a abertura da temporada da pesca da tainha, acompanhei a chegada do barco Pesca Brasil na praia da Barra da Lagoa. O barco veio carregado com cerca de 3.800 peixes, nada menos que 6 toneladas de tainha fresca desembarcando. Após o peixe ser alojado em caixas que iam para um caminhão frigorífico estacionado em frente ao trapiche, alguns peixes que iam sendo separados para doação foram entregues a quem pudesse buscá-lo com os pescadores. Alguns deles, que também têm a sua parte na pesca, seja para consumo ou para negócio, vendiam aos “bisbilhoteiros” de plantão algumas unidades.

6 toneladas de Tainha
6 toneladas de Tainha indo para o mercado

Tainhas gordas, ovadas, frescas. Um convite para uma saborosa refeição neste inverno.

Nos posts seguintes vamos te ajudar a conhecer melhor a Tainha, os seus preparos, as suas receitas, quais são os melhores restaurantes que indicamos para degustá-la de formas tradicionais ou inusitadas. Aqui começa a série Tainha, instituição mané, que tem a ajuda da incansável companheira e jornalista Aline Gunsett e é dedicada à memória dos meus antepassados, que do mar tiravam o seu sustento e fizeram escola.

* A célebre frase do jornalista catarinense tem como fonte o blog Tainha na Rede, que traz um material muito bacana sobre a pesca da tainha.

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