Ai, congelei meu cérebro!

No momento em que escrevo esse texto a temperatura lá fora é de 33°C. Eu, quase albina, não consigo encontrar motivos bons o suficiente para sair do fresquinho do ar-condicionado a essa hora que não sejam piscina, obrigações ou sorvete. A piscina está fora de alcance, as obrigações em geral são chatas e então só me resta pensar em sorvete. Na verdade, sorvete sempre me motiva e o clima é uma mera desculpa, até porque esse papo de que sorvete refresca é balela. Afinal, a temperatura média do nosso corpo é de 37°C e não é qualquer picolé que vai mudar isso. Um cálculo interessante diz que derreter um pedaço pequeno de gelo na boca consome cerca de 0,3 calorias (uma caloria é a quantidade de energia para elevar em 1ºC a temperatura de 1 grama de água). Se distribuíssemos isso para um corpo inteiro de aproximadamente 68 quilos, essa perda de calor seria capaz de reduzir a temperatura corpórea em apenas 0,004°C. Ou seja, praticamente nada.

Embora a queda de temperatura seja mínima, comumente temos aquela sensação desagradável de “cérebro congelado”. Isso ocorre pelo contato do sorvete (ou de qualquer bebida ou comida muito gelada) com o céu da boca, que leva a uma alteração do fluxo sanguíneo no cérebro. Na verdade, não faz muito tempo que os cientistas descobriram que esse resfriamento dilata rapidamente uma das artérias presentes no cérebro, inundando-o de sangue. Assim que esse vaso volta ao normal, os voluntários passam a não reclamar mais de dor. Pode parecer bobagem fazer um monte de voluntário tomar água muito gelada de canudinho mas, serviu não apenas para descobrir a origem da “dor de cabeça do sorvete” como serve também para avaliar outros tipos de enxaqueca e seus tratamentos. Veja só!

Nos primórdios de sua existência, algo semelhante ao sorvete era fabricado com gelo e neve coletados em países de clima frio. O nome “sorvete” aparece na história, pela primeira vez, em um documento de 1672 da corte de Charles II, sendo que as primeiras receitas surgiram na França e em Nápoles entre 1680 e 1690. Somente a partir de 1840 que os americanos conseguiram industrializá-lo, tornando-o a sobremesa conhecida que é hoje.

Hoje em dia os sorvetes são feitos praticamente de cristais de gelo, sendo que é o tamanho desses cristais que ajuda a determinar a textura; adoçantes, como açúcar ou xaropes, que além de adoçar evitam que o sorvete fique duro como pedra; e leite e gorduras do leite, que também determinam a cremosidade. Além disso, ainda são adicionados estabilizantes (que permitem tirar o pote de sorvete do freezer e depois congelá-lo de novo, sem que ele endureça demais) e ar. Ar? Sim, ar!  Depois de misturados, os ingredientes são batidos periodicamente para introduzir ar e são resfriados. Com isso se forma uma rede de bolinhas de gordura que seguram as bolhas de ar. Então, se olhássemos um pouco de sorvete no microscópio veríamos algo assim:

sorvete microscópio

(Cristais de gelo com bolhas de ar e açúcar. Foto: Clarke, 2003, “The physics of ice cream”.)

Como o mundo da alimentação adora uma novidade, uma pesquisadora da Bahia acabou de desenvolver, durante seu mestrado, um sorvete com microorganismos probióticos (aquelas bactérias ou leveduras vivas, que a gente já conhece em iogurtes e que exercem funções benéficas ao organismo).  A promessa é um sorvete com pouca gordura, que mata a vontade de comer doce, regula o intestino e de quebra fornece uns nutrientes a mais, sem que o sabor fique alterado. Não existe previsão para isso chegar ao mercado, porém não deixa de ser interessante….

O segredo de um ótimo sorvete é criar uma mistura que irá congelar de maneira equilibrada os cristais de gelo, o creme e o ar. Quanto menor a proporção de água, mais fácil é para formar cristais pequenos e uma textura macia. Se tiver muito açúcar e sólidos de leite pode ficar pesado e açucarado demais, enquanto muita gordura pode torná-lo manteiga. Enfim, para o sorvete ser aquela sobremesa cremosa e cheia de sabor é preciso muito equilíbrio entre os ingredientes. Mas difícil mesmo é manter o equilíbrio para não comer um pote (ou dois, três…) todo de uma vez só.

8 thoughts on “Ai, congelei meu cérebro!

  1. Meu mundo caiu. Eu sempre encho um copão de gelo e completo com água (eu chamo isso de “meu drink”, desculpa sociedade se eu decepciono vocês, desculpa brazeeel) achando que isso refrescava. Maldito corpo humano adaptado as intempéries.

    Ah, e eu nem preciso dizer o quão excelente ficou este post. Aplausos, de pé!

    1. Obrigada, obrigada (fazendo um ato de reverência aqui…).

      Então, eu também tomo gelo com água, gelo com refrigerante, gelo com qualquer coisa… Mas veja, na prática não funciona! É até meio decepcionante né?

      Certos estariam os indianos tomando chá “pelando” no calor de 50°C?! Obrigada, mas ainda prefiro gelo. 🙂

  2. Não não não não… psicológico ainda funciona… vou tomar meu copo de água gelada pra me refrescar. Experimenta tomar um de água quente com 33ºC pra ver se não começa a suar na hora! Hehehe.
    Primeira vez que escuta uma explicação científica para o porquê do “brain freeze”… espera me acontecer de novo se não explico pro primeiro que passar do meu lado!!

    1. Gente, desculpa. Eu sei que o cálculo da temperatura é uma grande decepção, mas não tem problema continuar tomando água gelada jurando que isso refresca!
      E eu vou achar o máximo se você passar essa informação adiante assim! 🙂

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