Nessa época do ano, ao menos ao meu redor, em algum momento o assunto sempre acaba em peixe: quem está no interior quer saber de pescar e quem está pelo litoral só pensa num “peixinho na beira do mar”. Fato é que o peixe é muito saudável, fácil de cozinhar e de comer – tudo de que a gente precisa nessa época de calor incapacitante. A carne dos peixes se diferencia daquela de outros animais por conta da estrutura dos seus músculos. Uma vez que eles não necessitam de tanta força para se locomover dentro da água, seus músculos não são tão fortes e bombados como os dos mamíferos que correm longas distâncias em terra. Esse é também um dos motivos que diferencia a carne branca da carne vermelha. Diferentes animais carregam quantidades diferentes de mioglobina, uma proteína vermelha que contém ferro e cuja função é estocar oxigênio nos músculos, para ser utilizado assim que houver necessidade – se não fosse assim, o músculo se esgotaria rapidamente, impossibilitando qualquer atividade prolongada e cansativa. Por isso que a carne do atum, por exemplo, que é um peixe forte, rápido e que migra por longas distâncias no oceano é bem avermelhada quando comparada à de outros peixes. Além disso, os músculos dos peixes são dispostos em feixes de fibras, o que os torna mais fáceis de serem dilacerados, pela mastigação, ou degradados quimicamente, como pelo cozimento. Assim como ela fica macia e cozida mais rapidamente, também pode estragar mais rápido. Quando a carne começa a se decompor, são liberados compostos como amônia e aminas, os responsáveis por aquele odor desagradável que chamamos de “cheiro de peixe”. As bactérias de decomposição no peixe são mais eficientes e acostumadas a trabalhar em temperaturas muito frias e é por isso que para evitar a decomposição temos que esfriar a carne logo depois de pescada, muito mais rapidamente. Há outro motivo pelo qual o peixe estraga rapidamente: esses animais são acostumados a engolir outros peixes inteiros (muito gentil isso) e possuem enzimas específicas para digeri-los. Se alguma dessas enzimas escapar das vísceras, por manuseio inadequado por exemplo, elas passam a agir em sua própria carne. É por isso que eles devem ser eviscerados o quanto antes depois de pescados.
E é também nas vísceras que alguns peixes armazenam toxinas venenosas, como o baiacu ou peixe-bola. Sabe aquele peixinho bonitinho e temperamental do filme Procurando Nemo que quando contrariado incha e parece uma bolinha? Pois é, é aquele. Bonitinho e ordinário, ele pode te matar. E o mais interessante é que ele é considerado uma iguaria no Japão (até o Homer Simpson já o degustou, na segunda temporada da série =] ). Sempre dizem que medo e prazer andam lado a lado, não é mesmo?! Pois bem, cerca de cinquenta pessoas morrem anualmente no Japão por consumirem Fugu, que é como o baiacu é conhecido por lá.
A responsável por isso é uma toxina presente nas vísceras e na pele do peixe, conhecida como tetrodotoxina, que é termoestável, ou seja, não sofre ação por cozimento, lavagem ou congelamento. No nosso organismo ela age bloqueando canais de sódio, que estão presentes em nervos e músculos e são responsáveis pela transmissão de sinais elétricos nas células, o que faz com que elas sejam ativadas e exerçam suas funções. Então, se não for preparado da maneira adequada, logo após a ingestão de um sashimi contaminado surgem algumas manifestações neurológicas como distúrbios da visão e da fala, e conforme o quadro se agrava aparecem convulsões e parada cardíaca. Sendo 10 mil vezes mais forte que o cianeto, pode matar por paralisia muscular, depressão respiratória e falência circulatória, em questão de poucas horas. No Japão seu consumo é bastante comum, sendo que alguns chefs deixam resquícios do veneno no prato para provocar parestesias orais e labiais – nada mais que aquela sensação de formigamento na boca. Convém dizer que no Japão somente cozinheiros treinados e autorizados formalmente podem preparar Fugu. Aqui no Brasil é só dar um Google e aparece um passo-a-passo de como “limpá-lo”. O problema é que nesses guias dizem que há apenas uma vesícula que precisa ser retirada, mas a toxina está presente no fígado, baço, vesícula biliar, nas gônadas e na pele. Eu hein… O mais pavoroso é que não há antídoto e o tratamento de suporte só pode ser feito nas primeiras horas após a ingestão. Ou seja: não, obrigada.
Como nem tudo são espinhos nessa vida, os peixes também fazem coisas muito boas pra gente. Há mais de 100 anos acreditava-se que o óleo de fígado de bacalhau, presente na conhecida “Emulsão Scott”, apresentava diversos benefícios ao organismo uma vez que o óleo de peixe é composto principalmente por ácido graxo ômega-3. Diversos estudos foram e estão sendo desenvolvidos na tentativa de comprovar o papel da suplementação da dieta com ômega-3 na prevenção e tratamento de doenças como câncer, doenças cardiovasculares e artrite reumatoide. O que se sabe até agora é que, quando processado no organismo, o ômega-3 dá origem a substâncias com potencial antiinflamatório. Pra ser mais específica, essas substâncias são chamadas de resolvinas – um nome genial para algo que “resolve” a inflamação…
Bem, motivos para comer (ou não) um peixe é o que não falta. Só não pode faltar bom senso na hora de prepará-lo.